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O fantasma que voltou com força

A fome está presente na vida do homem desde que a noção de propriedade privada e exploração surgiu, e no Brasil ela não foi exceção, mas sim a regra. Em um dos maiores produtores de alimentos cereais, vegetais e animais do planeta, a desigualdade trucida seu povo e a fome foi a via mais espantosa e vergonhosa de vitrine dos problemas sociais. Nós chegamos muito perto de torná-la apenas uma cicatriz de ferimentos antigos, mas uma sequência de erros a fez voltar – mais forte e voraz que antes.

Desde que os europeus chegaram a América e iniciaram suas campanhas de invasão violenta e colonização forçosa, dezenas de mazelas se instalaram nessas terras que foram banhadas de sangue preto, indígena e miscigenado. A fome era uma dessas mazelas. Envergonhava o Brasil perante o resto do mundo. Milhares de crianças morriam antes do primeiro ano de vida em consequência da falta de alimentação; o Norte e Nordeste foram, historicamente, as regiões mais atingidas por ela – muito em causa de escolhas políticas e problemas como a seca. Séculos se passaram e a situação se acentuou, disparando a medida que a desigualdade social explodiu no período da Ditadura civil-militar de 1964-85. As décadas de 1980 e 1990, acompanhadas de problemas monetários e seguidas crises escancararam a dor da fome. Eis que a balança da vida pesa em favor do povo pobre. Por um período – um curto período, se analisarmos o meio milênio de história do Brasil – a fome vai diminuindo, sumindo, a medida que a comida começa a aparecer no prato do brasileiro. Um milagre?

O milagre nada mais foi que o fruto de políticas sociais iniciadas a partir de governos de esquerda, sob a égide do Partido dos Trabalhadores, como o programa Fome Zero, lançado após a eleição do ex-presidente Lula, em 2003. Os programas de distribuição de renda que se seguiram, como o Bolsa Família, garantiram durante quase quinze anos a segurança alimentar que cerca de 20% da população brasileira não tinha tido em toda sua história. Em 2014 chegamos ao que considero o nosso ápice civilizatório de direitos: o Brasil sai do mapa da fome da ONU. Parecia que tínhamos espantado o fantasma de vez, mas como na história de Ícaro, voamos perto demais do sol e como as asas dele, a economia começou a derreter. Em 2015, no início do segundo governo Dilma, medidas de austeridade são tomadas e, em março do mesmo ano, a presidente perde o controle da administração em virtude da empreitada do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha. Em 2016, Dilma é afastada do cargo; em seu lugar assume o vice, Michel Temer, que lança em seus primeiros dias de governo a fatídica ‘Ponte para o futuro’, e começa a arrasar o Estado brasileiro, cortando programas, investimentos sociais e ministérios. A fome deu sinais com o alto desemprego.

Em 2018, é eleito o capitão reformado do exército, Jair Messias Bolsonaro, sem nenhum plano de governo e zero atenção pelos problemas sociais. A política econômica do governo Bolsonaro? A aplicação no Brasil dos aprendizados do ministro da economia, Paulo Guedes, em Chicago, ou seja, o desmantelamento de todos os equipamentos estatais em virtude do ganho do mercado financeiro, mesmo que isso signifique sacrificar empregos e renda dos trabalhadores – e significou bem mais. Com a pandemia em 2020, a acentuada crise da completa incapacidade de um governo encabeçado por corruptos, a fome voltou de vez e hoje ameaça quase metade do Brasil. Filas em busca de restos e carcaças, que agora são vendidas por açougues e supermercados, se tornam frequentes e, nas últimas consequências, contra a dor de não ter o que comer, famílias buscam caminhões de lixo tentando restos de comida – e isso foi aqui, no nosso quintal, em Fortaleza.

Com a iminência do fim do auxílio emergencial, os constantes problemas no Bolsa Família e o desgoverno Bolsonaro, não é só a fome que voltou à tona, outro pesadelo antigo pode voltar: os saques. E deixo de antemão avisado: se o povo tomar as ruas em busca de alimento, a culpa será de quem nos governa, ou deveria nos governar. Mesmo assim também aviso, a justiça condenaria mil vezes um pobre que saqueou para comer do que um político que viu seu povo morrer a míngua. São tantos pesadelos e fantasmas que me pergunto: quando iremos acordar?

Foto: Reprodução

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