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Diretas: tem, mas está faltando

Com o título “Diretas: tem, mas está faltando”, eis mais um artigo do escritor e publicitário Ricardo Alcântara. “A campanha pelas eleições diretas, portanto, não porta mais sonho algum, como antes, mas tão somente uma provável saída para um pesadelo”, diz o articulista. Acompanhe:

Impossível esquecer aquela noite. A ditadura militar agonizava e a nação lutava por um desfecho que não excluísse, mais uma vez, as ruas. Um milhão de pessoas ocupava o Vale do Anhangabaú, em São Paulo. O viaduto do Chá, ícone da cidade, servia de palanque. Lá de cima, o locutor Osmar Santos, animador oficial da campanha, perguntava à multidão: – ‘Diretas quando?’ E nós, em uníssono, respondíamos, com o braço esquerdo erguido e o punho cerrado: – ‘Já!’ Um êxtase cívico, como se vê.

O movimento morreu na praia do congresso nacional, Tancredo Neves foi ungido como o ‘opositor confiável’ e o resto é História. Repetindo uma conciliação por cima, pactuada pelas elites, processo que marca a história brasileira desde seus primórdios, foi restaurada a Democracia que nos foi possível ter e agora, passados mais de trinta anos, a sociedade se dá conta da matéria tóxica que nela foi embutida para desidratá-la de modo que jamais pudesse ser a via pacífica para as mudanças estruturais que a nação precisa.

Quiseram as tenebrosas transações que o protagonista deste último ato fosse a triste figura de um usurpador – Michel Temer. Peemedebista, como não poderia deixar de ser, ele é ‘a mais completa tradução’ de tudo que se disse acima. Se, em algum momento, foi o PT um partido com o qual muitos sonharam, é o PMDB aquele que mais fielmente representa o estágio real em que se encontra a evolução política da sociedade brasileira.

Sofre a nação ao reconhecer o seu semblante no espelho amargo da molecagem que nos governa. Temer, o jurista que recorre em seus discursos à pompa de mesóclises para ocultar a deformação de seu caráter, cerca-se do que de pior fomos capazes de produzir. A desqualificada conduta de quem, na calada da noite, recebe meliantes confessos no porão de sua casa é diretamente proporcional ao sacrifício que exige da população com um receituário de reformas que joga nos ombros dos assalariados, uma vez mais, a conta das irresponsabilidades cometidas pela equivocada gestão de Dilma Rousseff – a presidenta que não soube identificar a diferença básica entre investimento e despesa.

Bem. Tenho visto alguns nas ruas a exigir novamente ‘Diretas Já’. A liderança deste movimento é constituída, em sua maioria, por homens de cabelos brancos que, jovens à época da redemocratização, sonharam um novo Brasil, mas viram suas reputações naufragadas nos recifes traiçoeiros de quem se aventura a costear a praia sedutora do poder sem convicção suficiente para alterar sua geografia.

Tudo isso para dizer, em resumo, que se o presidente Temer tem como principal ‘inimigo’ as próprias evidências de seus crimes, tem também, como providencial ‘aliado’, a falta de credibilidade de seus adversários. A campanha pelas eleições diretas, portanto, não porta mais sonho algum, como antes, mas tão somente uma provável saída para um pesadelo.

Ricardo Alcântara,
Publicitário e escritor.

Repórter Ceará

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