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Editorial: Zagallo e o futebol da gestão Pavone

O ano era 1997. A seleção brasileira estava em plena campanha para conquistar seu primeiro título na Copa América, que viria a ser alcançado após o placar de 3×1 contra a Bolívia, com gols de Denilson, Ronaldo e Zé Roberto. E é neste jogo em particular que o craque Zagallo, à época técnico da seleção, pronuncia, em entrevista após a vitória, aquela que viria a se tornar a mais conhecida frase do futebol brasileiro: “Vocês vão ter que me engolir!”.

A declaração de Zagallo tinha um alvo certo: os críticos da imprensa esportiva, que passaram toda a competição bradando pela sua substituição. Não demorou muito e a frase acabou tornando-se uma expressão de ressentimento, utilizada sempre que alguém é subestimado e consegue, logo na sequência, contrariar seus acusadores, comprovando sua capacidade.

Hoje, passados 21 anos desse acontecimento, a pérola dita por Zagallo conseguiu romper os limites dos campos de futebol e conquistar espaço privilegiado em diferentes palanques por todo o Brasil, onde, uma vez ou outra, algum político ressentido usa a expressão para responder opositores, o que revela, de certa forma, o quão rasos e carregados de emoção são alguns dos debates travados por aqui.

E assim como no restante do país, a tendência ao uso desta expressão também tem sido notada no Sertão Cearense. Sobre um palco montado em uma praça pública lotada, o prefeito Clébio Pavone esbravejou recentemente, em uma noite de festa promovida pela prefeitura, um alto e seco: “Vocês vão ter que me engolir!”, como se a realização do evento em questão fosse capaz de atestar suas capacidades políticas e administrativas.

Assim como a declaração de Zagallo, a fala de Clébio tinha endereço certo: a oposição vencida nas urnas que tentara, pela segunda vez, e em menos de três meses, afastar o prefeito por meio de um pedido de impeachment, que veio a ser rejeitado pelos vereadores que integram a base governista na Câmara. Mas diferente do mestre Zagallo, as ações de Clébio não têm atestado a sua capacidade a ponto de legitimar o uso desta expressão.

Nas urnas, Clébio conquistou a oportunidade de comandar a administração municipal na briga pelo desenvolvimento de Quixeramobim. Mas a sua gestão começou a dar errado antes mesmo de entrar em campo, quando abriu mão de quadros técnicos experientes para as posições estratégicas do município e escalou boa parte dos seus secretários com base em indicações políticas, apresentando uma formação tática que veio a decepcionar nos seus primeiros meses de mandato.

Além disso, Clébio montou um time conservador, que só se defende das consequências dos problemas e raras vezes ataca as suas verdadeiras causas. Os buracos em várias vias da cidade, a quase permanente falta de medicamentos, a precariedade dos equipamentos públicos, as dezenas de obras paralisadas e as dificuldades em pagar servidores e fornecedores da prefeitura podem ser sintomas de corrupção, de desordem financeira e de gestão deficitária, o que precisa ser investigado.

Clébio também errou quando cedeu à imprudência e passou a descumprir, de forma reiterada, o teto dos gastos com o funcionalismo público estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, desprezando as advertências dos árbitros do Ministério Público e as consequências que tal ação poderá acarretar para as já desordenadas contas municipais.

Afora isto, sua estratégia em campo não tem se mostrado adequada ao enfrentamento de problemas de maior complexidade e a sua gestão tem preferido empurrar parte deles para debaixo do tapete. Tem sido assim com o impasse dos conjuntos habitacionais que foram ocupados desde meados do ano passado e que, para os quais, até agora, a prefeitura não encontrou uma solução menos danosa às famílias.

Nesses 20 meses que já se passaram desde a sua posse, Clébio sofreu com desfalques em seu time e fez incontáveis alterações na sua equipe, com destaque para o entra e sai dos vereadores, que ora ocupavam um assento no parlamento municipal, ora comandavam alguma secretaria. Mas o problema é que essas muitas modificações não se traduziram em aumento de capacidade e habilidade de gestão em uma cidade que se mostra cada vez mais complexa.

Enquanto a partida prossegue, as altas expectativas geradas pelas promessas de mudança vão sendo frustradas conforme aumentam as preocupações decorrentes da goleada feita pelos problemas que se multiplicam a cada dia e que apontam, inevitavelmente, para um fim de jogo desastroso. Clébio não é Zagallo, e a sua desatenção, bem como o amadorismo de parte do seu time, que desconhece o be-a-bá da administração pública, resultará em efeitos perversos para o município e demandará dos governos futuros muito tempo e esforço para reverter o estrago.

Editorial do Repórter Ceará

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